“Nunca na história o professor foi tão necessário”, avalia a deputada Luciane Carminatti

Parlamentar fala sobre a importância de valorizar os professores e destaca a missão de resgatar os mais de 10 mil alunos que se evadiram das salas de aula com a pandemia.

Foto: Divulgação

 

 

Presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa, a deputada estadual Luciane Carminatti (PT) entende que nunca na história da humanidade os professores e as professoras foram tão importantes para sociedade quanto agora, em tempos de pandemia e de disseminação de fake news.

 

Os esclarecimentos e as orientações necessárias, sobretudo aos alunos mais jovens, estão na ordem do dia. Para ela, é hora de valorizar e prestigiar uma categoria cada vez mais ameaçada.

 

Professora de formação, Carminatti reconhece que Santa Catarina vive um momento diferenciado, com as apresentações de projetos por parte do Governo de Estado que visam valorizar o profissional da área. Mas ela admite que ainda há o que ser feito.

 

Nesta entrevista exclusiva à coluna Pelo Estado, a parlamentar fala sobre esse novo momento, trata dos desafios impostos pela pandemia e destaca a missão de tentar devolver para as salas de aula os mais de 10 mil alunos que se evadiram das escolas.

 

Confira:

 

Na última sexta-feira (15) foi celebrado o Dia do Professor. Santa Catarina vive um momento ímpar na Educação, com a implantação do piso de R$ 5 mil e uma série de ações anunciadas pelo Governo do Estado. Diante de tudo isso, os professores têm o que comemorar?

Eu diria que é um grande desafio ser educador no Brasil. Um desafio diante dos ataques que os professores têm sofrido, do ponto de vista da liberdade de cátedra, da liberdade de ensinar. Tem sido um desafio por nós não termos um financiamento adequado, que valorize a curto, médio e longo prazo esse profissional que se dedica com exclusividade à educação. Mas, em Santa Catarina, nós estamos vivendo um cenário diferenciado, porque a Receita do Estado tem crescido e tem um elemento novo a partir desse ano de 2021, como o novo financiamento da educação básica, que é o chamado novo Fundeb.

 

Nós temos que investir no mínimo 70% do Fundeb em profissionais de educação – e antes era 60% – e nós precisamos também agregar mais investimentos na carreira, uma vez que os aposentados não podem mais serem computados como investimento em educação. Ou seja, eles entram numa outra conta. Então, em resumo, nós temos uma receita crescendo e temos que investir mais para atingir o percentual de 70% do Fundeb e os 25% que diz a Constituição,  então o Estado então precisa responder.

 

Esse ano o governador fez foi uma medida temporária, porque a remuneração mínima pode ser atrativa no primeiro momento, mas a longo prazo não garante futuro, na medida que o piso e a carreira continuam iguais, achatados.  Nós reconhecemos esse esforço que houve, mas é preciso de fato e de direito valorizar os seis níveis da carreira do magistério e valorizar também o tempo de serviço do profissional. Então, eu diria que estamos na expectativa porque o governador anunciou que vai apresentar o projeto de lei que trata dos cargos e da carreira do magistério na Alesc nesta terça-feira (19).

 

A apresentação desse projeto de lei passa muito pelo trabalho da comissão mista da Alesc que tratou do tema. Qual a sua avaliação deste trabalho?

Eu tenho uma leitura de que a gente fez algo inédito, porque foi a primeira comissão criada para discutir o plano de cargos e carreira do magistério estadual. Eu estou há três mandatos e só agora conseguimos realizar esse trabalho. Eu quero lembrar que no início do ano ninguém falava em descompactação da tabela. Então podemos dizer que foi uma conquista.

 

Quando eu ouço as autoridades estaduais e o próprio governador falando de “descompactação da tabela” e dizendo que “tem que valorizar professor”, eu paro e penso: opa, essa foi uma conquista. Você ouvir de quem tem o poder da caneta que “tem que valorizar” nos permite dizer que a comissão supriu a primeira necessidade. Agora, eu só ficarei plenamente feliz quando grande parte do que nós apresentamos for acolhido pelo governo.

 

Mas reconhecendo a luta histórica dos profissionais de educação e vendo o governo acenar com essas mudanças podemos dizer que há um avanço em SC?

É um avanço, mas acho que tem outros avanços, já que a gente precisa dar passos mais seguros. Nós temos cobrado um concurso para a Educação Especial, ter investimentos importantes nas Apaes. Precisamos desse concurso na Educação Especial para o segundo professor (profissional que atua dentro de sala de aula, em apoio ao professor principal, e que dá atenção aos alunos especiais). Isso pode significar um grande avanço.

 

Há um esvaziamento das licenciaturas. Ou seja, os jovens não estão mais escolhendo fazer faculdade para se tornarem professores. Há um “apagão” no magistério? Como resolver esse problema?

Eu tenho visitado muitas escolas, principalmente no ensino médio, e quando eu pergunto: Quem quer ser professor? Não dá 10% em cada turma. Tem muitos municípios pequenos do nosso estado que já tem esse apagão. Há falta de professores. Os secretários de Educação me abordam e dizem: precisamos de professores nessa, naquela e naquela outra área. Não tem. Tem um fenômeno que eu diria: a remuneração. O profissional faz a seguinte conta: vou ganhar menos, mas não vou me incomodar, não vou levar trabalho para casa. Essa é a fala. Esse é um aspecto, que é o que significa o trabalho de um profissional dedicado.

 

Mas tem também outro aspecto: qual é o reconhecimento que a sociedade dá ao professor? Porque nem tudo é salário, nem tudo é carreira. Então, para resumir, eu destacaria esses dois aspectos, o financeiro, porque ser professor não é missão, é profissão! Assim como médico que não gosta de ser médico, ele não exerce a profissão com zelo, também aquele professor que não gosta, não exerce adequadamente. E em segundo lugar tem esse aspecto de que a sociedade precisa respeitar mais o professor. Hoje acho que os papéis estão invertidos. As pessoas apontam o dedo, cobram, exigem tudo do profissional, da escola, mas não dão a contrapartida necessária.

 

A sociedade vive um momento de fluxo intenso de informações, muita produção e divulgação de fake news, guerra de narrativas, etc. Qual o papel do professor neste contexto?

Nunca na história da humanidade o professor foi tão necessário quanto agora. Vivemos uma época de muita informação, de tudo, mas precisamos de quem filtre essa informação.

 

Voltando à valorização da carreira, esses movimentos de aumentar o piso e apresentar o projeto de descompactação não servem de estímulo ao profissional?

Sim. O número de ACTs (admissão de professores em caráter temporário) que se inscreveram revela um pouco isso. Porque em 2018 nós tivemos 36 mil inscritos para o processo de contratação no estado e agora tivemos quase 76 mil. Isso tem dois aspectos a serem analisados: o lado bom, porque tem um procura maior o que garante que não falte profissionais; mas tem também uma revelação que os municípios e a rede privada não estão pagando adequadamente,  porque  não haveria essa migração.

 

A pandemia também exigiu o conhecimento de novas tecnologias por parte dos professores. Esse foi outro desafio da categoria?

Sim, a pandemia trouxe várias reflexões. Uma é que a desigualdade social já existia e se acentou com a ausência de tecnologia, foi revelador. A gente se deu conta de que tem escolas sem computador. Eu estive em Maravilha e uma professora me disse: tivemos que garantir o pagamento da internet para muitos alunos. A pandemia desnudou essa realidade. Ela não criou a desigualdade, mas ela revelou o quanto nós somos precários do ponto de vista da ausência de equipamentos.

 

Ao mesmo tempo, a pandemia apresentou desafios ao profissional de educação. Ele precisa lidar com a tecnologia e se qualificar, apesar de muitas vezes ele não ter tido esses conhecimentos na academia. Muitos tiveram que se virar do avesso para buscar, se atualizar e dar conta. Mas ao mesmo tempo, a pandemia revelou que a escola e a educação precisam de gente, gente qualificada, preparada. Nada substitui a relação do profissional da educação com o aluno, com os colegas e da escola como um todo.

 

A partir de uma proposta sua, o Governo do Estado apresentou a Bolsa Estudante, que tem o objetivo reduzir a evasão e o abandono escolar. Como está este cenário atualmente em Santa Catarina?

Na educação a gente convive com dois fenômenos há muito tempo.  O abandono e a evasão escolar. São situações diferentes. A evasão é quando o aluno desiste da escola, vai trabalhar e não volta mais. E o abandono é quando, por um motivo ou outro, o aluno deixa a escola, mas tem chance de retornar. Esses dois fenômenos cresceram na pandemia.

 

O Ministério Público e o Tribunal de Contas fizeram um estudo, a partir de uma plataforma que faz um acompanhamento dos alunos que se evadem e os que abandonam a escola e nesse período tivemos um aumento da evasão significativo. No Ensino Médio está em torno de 10 mil alunos que não voltaram. E porque evadiram? A grande maioria é porque o pai ou mão perdeu o emprego, a família teve a renda reduzida e ele tem que ajudar a colocar comida em casa. Foi neste sentido que apresentamos o projeto de lei que deu origem ao Bolsa Estudante. Embora desde 2015 eu trate desse tema, quando apresentei uma emenda ao Plano Estadual de Educação, que garantia bolsa integral para o aluno do Ensino Médio. Mas o fato é que nenhum governo de lá para cá se preocupou com o assunto.

 

Agora, antes de o governador apresentar o Bolsa Estudante, nós aprovamos na Alesc uma emenda de minha autoria na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2022, que foi sancionada pelo governador, que cria a bolsa para os estudantes do Ensino Médio. Agora vem a tratativa do governo para ver qual o perfil da bolsa. Eu defendo que tenha que ter frequência mínima, aproveitamento, ou seja, o aluno tem que se esforçar, se dedicar, e também que tenha vínculo com algum projeto, que seja ambiental, tecnológico, leitura, escrita, produção de conteúdo, enfim, algum projeto que ele tenha que desenvolver no âmbito da escola ou da comunidade. A gente tem que dar o recurso, mas o aluno tem que dar a sua contrapartida.