“Servidores não se enxergam na Reforma da Previdência”, diz Luciane Carminatti

Carminatti travou duras batalhas tanto nas discussões da Reforma da Previdência quanto na da PEC do Magistério.

Foto: Agência AL

 

 

Eleita com mais de 60 mil votos para o terceiro mandato como deputada estadual, Luciane Carminatti (PT) tem em sua biografia uma marca importante: é a mulher mais votada da história da Assembleia Legislativa de SC.

 

Atuante, crítica, mas sempre aberta ao diálogo, essa chapecoense de 51 anos carrega a experiência de dois mandatos como vereadora e o fato de já ter sido secretária municipal de Educação em Chapecó para exercer a empatia de saber o que é ser oposição e o que é ser situação.

 

Formada em Pedagogia e especialista na área de Educação Especial e em Orientação Educacional, a mãe de três filhos usa toda a sua bagagem para lutar a favor de suas bandeiras, com o equilíbrio que o Parlamento exige. Atualmente, trava duras batalhas tanto nas discussões da Reforma da Previdência quanto na da PEC do Magistério.

 

Nesta entrevista exclusiva à coluna Pelo Estado, Carminatti explica porque cunhou a palavra “inaposentáveis” e alerta que Carlos Moisés pode ficar conhecido como “o governador que diminuiu os salários do magistério”.

 

Confira:

 

Na audiência pública que tratou da Reforma da Previdência, a senhora fez duras críticas ao projeto e cunhou a expressão “não podemos criar a categoria dos inaponsentáveis”. Não há exagero nisso?

Nós usamos essa expressão, que na verdade pode virar uma nova categoria, porque se a gente olhar a pontuação que o Estado estima para aposentar, e aí vou pegar o exemplo de um professor, ele precisa completar em torno de 100 pontos, ou 105 pontos, que vai aumentando a cada ano. Essa pontuação, se você somar o tempo de contribuição de 30 anos mais a idade, nunca chega. Por isso que nós não temos dúvida que essa tabela que combina tempo de contribuição com idade extrapolou a possibilidade de aposentadoria integral para quem contribuiu a vida toda sobre a sua remuneração integral.  Ela não permite a aposentadoria de alguns.

 

Então para a senhora essa questão do tempo de transição precisa ser revista?

Nós estamos tratando justamente deste tema, que ficou bastante severo. Pelas reuniões que nós temos tido com os deputados de diferentes bancadas e há um consenso de que essa transição é dura, cruel e que inviabiliza a possibilidade de aposentadoria, dado a pontuação extremamente elevada. Os servidores estão fazendo as contas e não se enxergam na aposentadoria. Por isso falei sobre essa nova “categoria”. Não haverá aposentadoria se continuar essa pontuação elevada.

 

A senhora vê condições de negociar e rever esse ponto?

Eu acho que tem três temas que a gente tem conseguido dialogar com o governo: a pensão por morte, que o servidor, vindo a falecer, a família vai receber somente 50% da remuneração. Aí você imagina as famílias que se estruturam com a renda dos dois trabalhadores e quando um vem a falecer, além da dor da perda do ente querido, do ser humano, a renda dessa família cai pela metade e só soma 10% para cada filho dependente. Então esse é um problema e o governo compreende que precisa ser revisto. Talvez sair de 60%, 70%, 80% e aí chegar mais perto do que ele recebia. Esse é um ponto em que nós não abrimos mão. Outro tema bastante gritante é a alíquota extraordinária, onde há entendimentos de que ela é inconstitucional e também é possível avançar. Essa alíquota foi criada para quem está na ativa e entrou no serviço público até 2003. Ela varia de 1% até 4% e incide além dos 14% para quem está na ativa. E o terceiro ponto é a transição. Esses três pontos a gente acha que dá pra dialogar com o governo.

 

Há o ponto da faixa de isenção que o governo diz não abrir mão. Nessa questão os aposentados que recebem acima de um salário mínimo terão que contribuir com 14% para o Iprev. Isso atinge muitas pessoas. A senhora não teme dificuldade de negociação nessa questão?

Temo sim. O governo pós-processo de impeachment tem outra conjuntura de base, essa base está mais consolidada. Quando chega na questão da faixa dos isentos a negociação trava. Esse, para nós, é um tema muito caro. Esse ponto atinge 74, 99% dos aposentados e 77,08%  dos pensionistas. Nós temos categorias de aposentados que estão com os proventos congelados há anos, sequer com a reposição da inflação. Todos nós sabemos que o nosso poder de compra está caindo, o custo de vida está lá nas alturas e estamos falando de quem ganha menos. Eu não estou falando de você deixar de fazer uma viagem por ano, estou falando de tirar a comida da mesa. Esse ponto é a maior dificuldade de negociação. Quando se toca neste ponto a fala é: “não tem acordo”.

 

O governo usa exemplo que de vários estados fizeram o mesmo, cobraram de quem ganha acima de um salário mínimo?

Mas tem estados que não fizeram. Alagoas isentou os menores salários. Há um debate de escalonar por 10 anos, 14 anos…mas quando se coloca na mesa isso, trava a negociação. Aqui identifico como um ponto polêmico. A gente vai ter que buscar apoio dos deputados.

 

Na visão da iniciativa privada, os servidores públicos são privilegiados, com uma série de benefícios, inclusive na aposentadoria. Como a senhora vê essas críticas. A senhora não concorda com elas?

Eu discordo com muita indignação. Eu penso o Estado num conjunto. Às vezes escuto assim: “Temos um déficit da previdência, precisamos corrigir para o Estado poder investir no que precisa”. Sim! Mas eu quero perguntar: um hospital sem servidor existe de fato? O servidor não é investimento? É o que, então? É gasto? O que mais querem quando estamos com problema de saúde? É chegar num hospital, num laboratório, no SUS, e ver o seu problema resolvido, porque isso incomoda toda a família, incomoda o trabalhador. Você não tem vida funcional ativa se não tiver um bom atendimento na Saúde. Quando você chega numa escola, você quer uma estrutura decente, mas também um professor bem qualificado, um professor bem remunerado, valorizado. No meu entendimento, essa dicotomia é um equívoco. Nós precisamos pensar o Estado num conjunto. O empresário precisa de um Estado que tenha políticas públicas funcionando bem. Isso é investimento.

 

O governo argumenta que esta cobrança é garantia de aporte de dinheiro imediato aos cofres da previdência. A senhora não entende assim?

O debate que o setor empresarial deveria fazer também, nos ajudando, é dizer: o bom empresário tem que pagar o que deve. Isso também é investimento. Nós temos uma dívida ativa muito grande. Nós temos grandes empresários em Santa Catarina que devem e não pagam. Mas do consumidor se cobra. Por que não cobrar de quem deve? E pergunto ao empresário que paga: ele concorda que ele pague e o outro não? A gente deveria se unir mais nesses pontos em que todos ganham. Eu acho muito ruim que numa ponta fica o setor empresarial cobrando como se nós, servidores, produzíssemos despesas. Quando na verdade temos empresários corretos, mas também empresários que devem e que sonegam. E ficam, na outra ponta, cobrando um serviço público de qualidade. Então o movimento que a gente deveria fazer é outro: pensar o conjunto das políticas públicas e o fortalecimento do Estado, que é bom para o empresário, para o servidor e para o catarinense.

 

O governo anunciou que professores que tenham nível superior não podem receber menos do que R$ 5 mil. Para senhora, que é dessa área, não está bom começar ganhando R$ 5 mil?

Em março, bem antes do anúncio do governador, nós criamos uma comissão mista formada por sete deputados, que eu coordeno, com integrantes de três comissões. E ela foi extremamente certeira porque percebemos o crescimento da receita do Estado e percebemos que o Estado estava com dificuldade no investimento de 25% na Educação, como manda a Constituição. Já tinha dificuldades nos outros anos, mas desde o ano passado tem a novidade de que não pode mais contar no cômputo geral nenhum aposentado do magistério. Só nisso dá mais de R$ 200 milhões que o Estado tem que investir na Educação. Então, olhando para este cenário, o que pensei: é hora de discutir a carreira do magistério. E daí o governo sentiu a pressão, porque fomos para cima e o governo tem que se explicar, inclusive para o Tribunal de Contas, porque não está investindo. Daí, o governador anuncia um dia antes da primeira reunião da comissão mista, o aumento para R$ 5 mil de salário inicial para quem tem nível superior.

 

A senhora entendeu como uma tentativa de esvaziar a comissão?

Não. Entendi como uma resposta. O que o governo fez? Juntou tudo o que os professores ganham, triênios, vale-alimentação, etc, para chegar aos R$ 5 mil. Só que tem um problema e eu entreguei para o governador contracheques de professores que estão da metade da carreira para frente, com mestrado e/ou doutorado, especialização, e está recebendo R$ 4,3 mil, R$ 4,5 mil, R$ 4,8 mil. Ou seja, quase nada para quem tem essa graduação. O que eu disse para o governador: o senhor agradou quem está começando e acabou com a carreira de quem estudou mais, se preparou mais. Achatou a carreira do magistério. Não é justo. Está tudo errado. O governador ficou chocado quando entreguei os contracheques. Ele sabia, mas quando viu no papel, se assustou. E eu disse: o senhor tem que dar respostas para isso e ainda vem a Reforma da Previdência que pega 14%. O senhor vai ficar conhecido como o governador que diminuiu o salário para uma boa parte do magistério, e dos servidores também.

 

O que o governador disse para a senhora?

Ele me disse que daria uma proposta para a comissão que criamos, o que foi bom porque ele legitimou a nossa comissão. A Casa Civil também informou que vai apresentar nos próximos dias o resultado dos estudos que estão fazendo para descompactar a tabela do magistério, que é justamente essa parcela de servidores que têm mais habilitações, quem está mais no topo da carreira ou se aposentou, e dar respostas para essas pessoas. É muito injusto. Então, voltando à pergunta inicial, a PEC do Magistério é positiva sim, mas para um conjunto de trabalhadores, mas não resolve o problema da carreira do magistério.

 

A senhora acha que depois do processo de impeachment o governador aprendeu a fazer política?

Acho que ainda está aprendendo, abriu mais diálogo. E isso é fundamental para a política. De ambas as partes. Acho que o Legislativo tem que aprender o seu papel. Eu fui vereadora de situação e de oposição e foi a melhor coisa que me aconteceu porque aprendi a fazer política me colocando no outro lugar do balcão. Isso é importante para que se tenha coerência na conduta. O Legislativo tem que fazer esse movimento, mas também não pode virar extensão do Executivo. Temos que entender que os poderes são autônomos, mas harmônicos. Então tem que ter diálogo. Isso é um preceito fundamental.

 

O PT terá candidato ao Governo do Estado? Já tem nome pré-definido? A senhora é um nome?

O nome que definimos no PT é o do Décio Lima, que inclusive já aparece nas primeiras pesquisas, o que me deixou feliz. Mas a nossa grande estratégia é eleger Lula presidente. Nós temos um projeto de país. E nesse contexto vamos organizar nossa estratégia em 2022. Ou seja, se tiver que fazer alianças possíveis e que mantenham os princípios do que nós defendemos, mas que dê a garantia de um projeto maior, vamos trabalhar nisso.