Dedicação ao próximo estimula voluntários riomafrenses
Todos os anos no período da quaresma, a igreja católica propõe uma reflexão com base em problemas da atualidade. Neste
Todos os anos no período da quaresma, a igreja católica propõe uma reflexão com base em problemas da atualidade. Neste ano, o tema debatido pelos milhares de católicos brasileiros traz à tona a triste estatística do voluntariado brasileiro.
São inúmeras pessoas que há anos sabem muito bem o significado da dedicação ao próximo, como proposto pela Campanha da Fraternidade 2020 que aborda o tema Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso e o lema “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019 revelam que apenas 4,3% dos brasileiros acima de 14 anos realizam qualquer tipo de voluntariado.
O IBGE também registrou uma queda de 1,6% de voluntários no país. Atualmente, apenas 7,2 milhões de pessoas se dedicam ao voluntariado no país. A mesma pesquisa demonstrou que 5% das brasileiras são voluntárias, enquanto entre os homens brasileiros essa taxa é de 3,4%.
Em Riomafra várias entidades dependem do trabalho voluntário para a continuidade das atividades assistenciais. Além das entidades construídas sobre o voluntariado, há ainda iniciativas de riomafrenses que, de forma independente, têm devolvido a dignidade e a qualidade de vida para pessoas em situação de vulnerabilidade. Entretanto, instituições e voluntários independentes concordam que os recursos humanos para a realização das obras ainda são o grande desafio para a continuidade dos trabalhos.
“Injeção de ânimo”
Para a rionegrense Giane Machado, o trabalho voluntário é um meio de agradecer pela própria vida e levar uma visão otimista do mundo às pessoas. A vocação pela ajuda ao próximo a encontrou há cerca de 20 anos, quando ela encarnou o primeiro Papai Noel de sua vida em uma visita ao Lar do Idoso.
O trabalho que começou de uma forma ainda aleatória, ganhou força nos últimos quatro anos e atualmente é o propósito de vida de Giane. “Em 2016 quando fiquei desempregada, pensei que aquela seria uma ótima oportunidade para investir mais no trabalho de visita assistencial nos hospitais, que era algo que eu já fazia ocasionalmente. Preferi ver aquela situação difícil como um estímulo para atuar na ajuda ao próximo, então desenvolvi os personagens que hoje levo para os pacientes em tratamento”, conta.
Uma vez por mês, Giane visita os pacientes em hemodiálise junto à Fundação ProRim, em Mafra. Duas vezes por semana, ela leva alegria também aos pacientes internados no Hospital Bom Jesus em Rio Negro. Muitas vezes, o trabalho é realizado no intervalo do expediente de trabalho, com ajuda de uma amiga também voluntária. “A pessoa que quer ajudar, vai e faz, independente do tempo e das dificuldades”, ressalta.
A visita aos pacientes internados é sempre acompanhada da “injeção de ânimo” e de muito bom humor. Ela conta que desenvolveu a técnica de conversação com os pacientes partindo de sua própria visão de mundo, sempre otimista.
Dentre os desejos de realização pessoal da voluntária, está o curso de besteirologia, organizado pelos Doutores da Alegria. “Como é um curso caro, ainda não pude fazer esse investimento, mas vou me inspirando neles”, explica. Um sonho mais recente de Giane foi realizado no seu aniversário no último dia 23, quando com a ajuda de familiares e amigos, ela ganhou novos calçados de palhaço.
Para ela, o conceito que resume o trabalho realizado nos últimos anos se define pelo “eu te amo”. “Essa é a frase que desmonta qualquer um. A pessoa se sente estimulada a viver mais um mês, a ficar bem, para ouvir que é amada”, conclui.
Voluntariado por toda a vida
A aposentada Ivone Eckel, tem se dedicado ao voluntariado por toda sua vida. A dedicação ao próximo começou através de ações voltadas à religiosidade e obras de caridade da igreja que frequenta. Mas há 15 anos ela se dedica também às ações realizadas pela comunidade terapêutica Atena.
Uma das principais atividades realizadas por Ivone é a organização do bazar para arrecadação de fundos. Os recursos obtidos com o bazar são destinados ao tratamento dos dependentes químicos assistidos pela entidade. A próxima edição do evento deverá acontecer no próximo sábado, dia 7 de março. “O maior sentido do bazar para mim é que ele ajuda tanto os pacientes que abrigamos quanto a comunidade, pois as pessoas podem comprar roupas, acessórios e utensílios domésticos a valores muito acessíveis”, explica.
Durante seu trabalho junto à instituição, Ivone conta com a ajuda de outros voluntários, que dedicam parte do seu tempo livre na organização também de ações de espiritualidade e arrecadação de fundos. “Fazemos de tudo um pouco, ajudamos no bazar, na cozinha, na interação com os internos”, conta.
“Voluntariado é esperar nada em troca. É algo que faço sem esperar recompensa”, define Ivone. Para ela, o maior reconhecimento do trabalho realizado é encontrar pessoas que já foram assistidas pela Atena levando uma vida saudável e feliz. Outra conquista pessoal da aposentada é ver novos voluntários surgindo, à medida que vão conquistando a sobriedade ou que conhecem o trabalho da Atena. “Sempre digo aos internos e a quem tem interesse, a ajuda ao próximo é o que dá sentido à vida”, enfatiza.
Ivone conta que uma de suas inspirações para a dedicação ao próximo é o próprio filho, que também é atuante na recuperação de dependentes químicos. “O que eu levo em todo trabalho que fiz até hoje é uma preocupação de mãe com os mais jovens, estamos sempre alertas para os vícios que são apresentados a eles desde cedo”, argumenta.
Ela espera que o exemplo de uma vida voluntária seja seguido pelos filhos e netos. A pequena Sofia, de 6 anos, ajuda a avó na triagem dos artigos que vão para o bazar e conta que futuramente quer poder se dedicar ainda mais às ações beneficentes. “Nós temos o dever de estimular as crianças e adolescentes a pensar no próximo e se dedicar aos menos favorecidos. Assim, no futuro teremos muito mais pessoas dispostas a ajudar e menos pessoas sendo ajudadas”, observa.
Pouco para uns, muito para outros
Foi há três anos que uma reportagem em um programa televisivo aguçou o espírito voluntário na mafrense Rita de Cássia Schmitz. Ela já se dedicava a alguns trabalhos vinculados à Igreja, mas entrou de cabeça no Projeto Brasil Sem Frestas assim que soube da criação do grupo na cidade de Curitiba. “Eu vi a Tania Ribas falando do projeto no Paraná e meu impulso imediato foi começar a pedir para os amigos começarem a guardar caixas de leite”, explica.
O Projeto Brasil sem Frestas Riomafra parte da observação da química Maria Luisa Camozatto que, percebeu que a durabilidade das embalagens da Tetra Pak poderia ser aproveitada para vedar casas edificadas em regiões de extrema miséria. Quando tomou conhecimento do projeto, Rita passou 10 meses arrecadando materiais para iniciar o projeto em Riomafra.
Outros voluntários adotaram a causa, que inicialmente era abrigada no espaço de festas da Paróquia Bom Jesus. Atualmente, o grupo conta com um espaço cedido por outro voluntário para alocação dos materiais recolhidos.
As caixas coletadas são higienizadas, recortadas e costuradas pelos voluntários, que se organizam em uma força tarefa para colocação dos materiais nas casas de famílias em situação de vulnerabilidade.
Rita se emociona ao lembrar da primeira casa que os voluntários vedaram em Rio Negro. A casa continha um quarto que após vedado, ainda continha quatro de seis vidros da janela quebrados. Os voluntários resolveram então moldar e completar a janela com as caixas. “Quando terminamos, eu olhei e achei que não ficou bom, mas a dona da casa ficou tão feliz quando viu e disse para o filho: veja só finalmente vamos poder dormir sem pegar vento a noite. Para minha surpresa, quando entrei no quarto ainda notei que a cama da criança ficava logo abaixo dessa janela”, conta.
Para a voluntária, o trabalho vai muito além de agregar qualidade de vida às famílias que vivem na extrema pobreza. “As paredes cobertas com as caixas impedem a entrada da poeira, da umidade, da chuva, de animais peçonhentos e protege do calor. Mas também iluminam uma casa que vive às escuras, trazem esperança a quem já perdeu o ânimo”, ressalta.
Apesar de Rio Negro ser a terceira cidade brasileira a aderir ao Brasil sem Frestas, a continuidade do projeto no município depende essencialmente do trabalho voluntário e em equipe. Todo o processo de tratamento e instalação das caixas depende do trabalho coletivo. “Hoje precisamos de pessoas que tenham disposição em nos ajudar, especialmente no que diz respeito ao cadastro e triagem de famílias que podem ter sua qualidade de vida melhorada com este trabalho”, explica. Atualmente, o grupo de voluntários é acionado através das redes sociais quando alguma família necessita da instalação das caixas.
“A gente reclama da casa da gente, procura defeitos, mas dá valor quando se depara com gente que precisa de tão pouco para ser mais feliz. A gente reconstrói o ambiente com um material que é tão insignificante para alguns, mas representa muito para outros”.
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