Após 8 anos, Eto Scholze quebra o silêncio em entrevista exclusiva

Ex-prefeito deu detalhes sobre seu afastamento da vida pública e contou onde esteve nos últimos anos.

 

 

Após oito anos afastado da vida pública, o ex-prefeito de Mafra, Roberto Agenor Scholze, mais conhecido como Eto Scholze, quebrou o silêncio e concedeu uma entrevista exclusiva ao Riomafra Mix, durante o programa “Dois Dedos de Prosa”, gravado em parceria com a rede de Postos M7.

 

Filho do ex-prefeito Carlos Roberto Scholze, o Carlinhos da Farmácia, Eto foi o vereador mais novo de Mafra, eleito em 2008 com 1.658 votos. Quatro anos depois, foi eleito prefeito em 2012, com 14.623 votos.

 

Em sua passagem pela prefeitura, Eto enfrentou 13 processos de impeachment e foi cassado pela Câmara Municipal em 4 de junho de 2015, por sete votos a favor e dois contra, acusado de nepotismo e fraudes na prefeitura.

 

Durante a entrevista, o ex-prefeito falou sobre sua trajetória política e por onde esteve nos últimos anos. Ele também deu detalhes sobre seu afastamento e sobre a decisão de largar a vida pública, se reposicionar no mercado de trabalho e reencontrar suas raízes.

 

Eu saí da prefeitura numa quarta-feira e os próximos dois dias, acho que foram os mais difíceis da minha vida. Muita coisa passou pela minha cabeça e me veio um sentimento de impotência, de negação.

 

Confira a entrevista na íntegra:

 

Por onde esteve Eto Scholze nos últimos 8 anos?

Eu continuo em Mafra e na região. Durante estes 8 anos, desde que saí da vida pública, não me afastei daqui. Minha vida teve várias mudanças, muitos altos e baixos. Hoje, eu trabalho em Mafra, mas resido em Itaiópolis com a família da minha esposa. Eu quando saí da prefeitura em 2015, precisei recomeçar minha vida. Gostava muito da política, de estar em contato com o povo, mas eu também precisava me reposicionar no mercado de trabalho. Eu saí da prefeitura numa quarta-feira e os próximos dois dias, acho que foram os mais difíceis da minha vida. Muita coisa passou pela minha cabeça e me veio um sentimento de impotência, de negação. Naquela sexta-feira, eu fui para Porto Alegre com minha esposa para pensar no que faríamos. Ficamos na casa do irmão dela e no domingo, retornei para Mafra e decidi rememorar minhas raízes. A família da minha mãe era de caminhoneiros e a do meu pai, de comerciantes. Eu entrei em contato com um tio meu caminhoneiro e decidimos fazer uma viagem juntos. Ele tinha uma entrega em Santa Rosa, no Rio Grande do Sul, e eu o acompanhei. Depois de me conectar com as origens da família da minha mãe, fui atrás da família do meu pai. Recorri à minha tia, Ana Catarina Scholze, que é atual sócia da farmácia da minha família. Pedi a ela para ficar alguns dias no balcão e trabalhei ali por dois meses. Não era minha intenção ficar lá por muito tempo, mas queria reposicionar minhas raízes. Em seguida, me inscrevi em um curso técnico no Senai totalmente fora da minha área, em eletrotécnica e eletromecânica. Mais tarde, juntamente com meu sogro, montamos uma empresa de carvão; depois fiz um estágio em uma empresa da cidade como eletromecânico e por dois anos, tive a oportunidade de viajar o país e trabalhar em uma das maiores empresas de papel e celulose do mundo, em Três Lagoas. Em 2019, me desliguei desta empresa e comecei a fazer alguns trabalhos com meu sogro em Itaiópolis; e agora em 2021, decidi me mudar para lá. Também comecei a trabalhar em uma empresa em Mafra, onde pude conhecer toda a região do Planalto Norte. Apesar de gostar de política, eu pensei que poderia colaborar mais com a comunidade sem necessariamente estar ocupando um cargo político e assim tenho feito.

 

Faz 8 anos que você saiu da prefeitura. Dos 7 vereadores que votaram pela sua cassação, todos não estão mais na vida política. Analisando este contexto, a política tem prazo de validade?

Tudo nesta vida é cíclico. Com relação aos vereadores que votaram pela cassação, eu sinceramente não tenho mágoa de ninguém e não guardo rancor. Acho importante pensar no que está na nossa frente, sem focar tanto nas questões do passado. No momento da saída, a situação toda foi triste e marcante para mim, mas depois, virei a página e segui com minha vida. Nós somos humanos e nós temos várias imperfeições. Talvez uma das piores seja guardar mágoa e rancor, porque isso só faz mal para a própria pessoa. Passado aquele luto inicial, eu acho que consegui superar. Hoje não tenho contato com nenhum destes vereadores, mas se eu encontrasse na rua, não teria problema nenhum em cumprimentar ou conversar. Agora, com relação aos ciclos, é natural e de certa forma, algo bom. Estas mudanças abrem espaço para pessoas novas, pessoas mais jovens, com outros pensamentos, de ocuparem este espaço de debate. O prefeito e vereadores atuais vieram de uma nova leva. Isso mostra que a população busca esta renovação. Logicamente, quando eu estava na vida pública, eu tentei ser um político estadista e vislumbrava talvez, seguir neste caminho e ser um representante da nossa cidade na Assembleia Legislativa, tinha estes sonhos. Mas como naquela oportunidade, os sonhos foram ceifados, eu decidi abdicar da vida pública e abrir caminho para outras pessoas. Eu lamento que até hoje, Mafra não tenha elegido um deputado estadual para defender os interesses da cidade e a gente torce para que surjam nomes de potencial na nossa região. O Planalto Norte hoje carece de uma representação política mais forte, mas eu realmente já estou fora deste processo e não me vejo voltando para a vida política.

 

Havia um grupo que queria me derrubar. Foram dois anos e cinco meses enfrentando várias batalhas no dia a dia. Eu passei por 13 processos de impeachment na Câmara. 12 foram derrubados, porque não houve materialidade de ilegalidade, mas o interesse deles era me tirar da jogada.

 

Quando você foi afastado da prefeitura, você foi hospitalizado após uma crise de ansiedade. A ansiedade foi uma das consequências que a política te trouxe?

Talvez sim. Hoje em dia, grande parte da população sofre de ansiedade. Essa vida corrida que a gente tem, acaba acarretando neste transtorno. Mas hoje está tudo controlado. Eu assumi a prefeitura com 24 anos e assim que assumi, comecei a responder uma série de denúncias na Câmara de Vereadores, porque havia um grupo que queria me derrubar. Foram dois anos e cinco meses enfrentando várias batalhas no dia a dia. Eu passei por 13 processos de impeachment na Câmara. 12 foram derrubados, porque não houve materialidade de ilegalidade, mas o interesse deles era me tirar da jogada. No entanto, tudo isso foi me sobrecarregando, me cansando. Saí com a consciência tranquila, mas essa perseguição exigiu muito de mim. Naquele último processo de impeachment, em especial, eu já estava em um momento de pressão psicológica bem forte, tanto é que naquela tarde, fui hospitalizado, por conta de uma crise de ansiedade. Sentia o coração querendo sair para fora da boca. Tomei alguns sedativos no hospital e passei os próximos dias ainda mal. Com o passar do tempo, as coisas foram se acalmando e fui retomando minha vida. Neste processo, a única certeza que eu tinha era de que não ia procurar nenhum deputado ou pedir algum cargo. Sabia que o certo era deixar a política e me reencontrar de outra forma. Nunca me escondi de ninguém, nunca deixei de frequentar nenhum lugar por circunstâncias políticas. Mas a vida faz a gente mudar um pouco alguns hábitos. Antigamente, eu costumava ir para as festas do interior e hoje vou com menos frequência, porque minha rotina também mudou e eu passei a priorizar outras atividades nestes últimos anos. Além disso, neste período, fui pai duas vezes, e dediquei também parte do meu tempo para acompanhar o crescimento dos meus filhos e ficar mais perto da minha família.

 

Você acha que na época destas CPIs, faltou algum tipo de acordo com a Câmara? Se você pudesse voltar no tempo, faria algo diferente enquanto estava no governo?

Faria muitas coisas diferentes. Talvez tenha me faltado um pouco de jogo de cintura. Eu nunca perdi minha humildade para falar com as pessoas, mas talvez não tenha tido oportunidade de conversar com mais clareza com os vereadores, de expor as ideias e dividir os problemas do município com a Câmara. Logicamente, eu assumo a responsabilidade da cassação pelo fato de não ter tido o jogo de cintura necessário para conseguir suspender os processos. Eu nunca me ausentei de responder qualquer questão perante o Judiciário e os acusadores. Mas no momento da cassação, meu relacionamento com os vereadores estava tão desgastado que eu já não conseguiria mais reverter. Teve mais um ingrediente nisso, que foi a morte do meu vice-prefeito, Miltinho Pereira, logo no começo do mandato. Isso me deixou ainda mais desestabilizado, porque o Miltinho era muito bem quisto e uma grande liderança política da cidade. Ele faleceu de forma repentina e isso me deixou, de certa forma, ainda mais fragilizado. Somado a isso, também faltou um pouco de traquejo meu com a imprensa. No mais, eu atendi muitas pessoas no gabinete, olhando no olho, tentando entender suas dificuldades e trabalhando muito para levar melhorias aos cidadãos. Conseguimos destravar muitas pavimentações asfálticas na cidade e obras importantes. Também fomos referência nacional no programa Mais Médicos e focamos muito a questão da humanização na Saúde. Tivemos alguns progressos, mas no aspecto político, eu acabei pecando e pagando um preço alto que foi a minha cassação. Eu tinha o sonho de ser uma liderança regional, mas este sonho foi interrompido precocemente.

 

O fato de você ser filho do Carlinhos Scholze, que foi uma grande referência em Mafra e no Planalto Norte, te trouxe algum peso, uma responsabilidade a mais?

A família Scholze sempre foi muito trabalhadora, vieram de uma infância humilde e conseguiram se estabelecer no ramo da farmácia a partir de 1973, com meu avô. O meu pai começou a trabalhar lá e por estar em contato com o público, todo mundo da cidade o conhecia. Isso, de forma colateral, acabou colocando-o dentro da política. O meu pai sempre contava que na década de 80, ele foi procurado por lideranças políticas da época que o encorajaram a entrar neste meio. Até então, ninguém da família tinha este envolvimento político. Meu pai foi vereador em 1988 e reeleito em 1992. Em 1996, tentou a prefeitura e não teve êxito, mas acabou eleito em 2000. Ele fez um mandato muito focado na área da Saúde e se tornou uma referência a nível estadual. Em 2006, e tornou suplente de deputado estadual e em 2008, eu entrei na política como vereador. O fato de ser filho do Carlinhos é como uma balança. De um lado, tenho uma referência política muito forte. Pelo outro, precisei vencer a sombra dele para expor meu nome. Como ele era uma pessoa muito grandiosa, isso gerou, logicamente, uma sombra em mim. Eu sempre quis deixar claro que sou o Roberto e não uma extensão do Carlinhos. Como vereador, eu consegui fazer isso com mais facilidade, pois fui muito atuante na cidade e nos conselhos municipais. Isso inclusive foi o que balizou o projeto de prefeitura em 2012. Até a morte do pai há dois anos atrás, eu sempre tive um vínculo muito forte com ele. Algumas vezes, a gente entrava em conflito de ideias, mas eu sempre respeitei esta hierarquia de pai e filho e sempre entendi que cada um tem seu ponto de vista.

 

Algumas pessoas na época disseram que ele tinha uma ingerência no seu governo. Isso procede?

Não chegou a ter. Eu tinha contato com ele diariamente e às vezes a gente batia de frente, porque havia uma incompatibilidade de pensamentos, mas ele me respeitava e eu respeitava a opinião dele. Eu sempre tentei ouvir as pessoas mais velhas para formular minhas próprias opiniões, mas ingerência, propriamente dita, não houve.

 

Em 2012, quando ocorreu sua eleição, você fez uma campanha bem humilde e passeou de carroça pela cidade. Qual foi sua estratégia de campanha nesta época?

Esta eleição foi bem limitada de recursos e estrutura. Eu queria, na época, me diferenciar e fazer algo novo. A questão da carroça tem vários simbolismos. Primeiro de tudo, remonta um pouco de nossas origens. Minha avó costumava vir de Papanduva de carroça para Mafra e a viagem durava três dias. Esta foi minha primeira lembrança quando decidimos usar a carroça. Por mais que alguns tenham criticado, dizendo que eu estava andando para trás, a ideia era rememorar aqueles que vieram antes de mim, que saíram de suas cidades e se desenvolveram aqui em Mafra. Além disso, nós sempre tivemos cavalo em casa. Quando eu era criança, tinha o hábito de andar a cavalo e o fato de estar neste meio rural sempre foi algo muito natural. Além de proporcionar um contato mais próximo com o eleitor, a carroça logicamente, também foi um meio de chamar a atenção e gerar simpatia nas pessoas. Foi uma estratégia que veio a calhar, não só pela questão política, mas também pelo seu simbolismo.

 

Qual foi o seu dia mais feliz na política? O dia que você recebeu o resultado da eleição ou quando sentou na cadeira e assumiu o posto de prefeito?

São momentos diferentes, cada um com sua felicidade intrínseca. A eleição foi linda, nós fizemos uma caminhada com o comitê e abraçamos a prefeitura, de forma simbólica. Foi um momento mágico. Mas a posse também foi muito especial. Ela aconteceu na Igreja do Faxinal e foi um momento bem marcante para mim. É difícil escolher, mas talvez a posse tenha sido mais emblemática pelo fato de estar em um ambiente religioso, com todos os vereadores reunidos e com toda a comunidade. Aquele momento de comunhão foi bem interessante.

 

O que você fez assim que assumiu a prefeitura? Como foi chegar neste cargo com apenas 24 anos?

No primeiro momento, eu me apresentei e me coloquei à disposição dos funcionários. Depois, eu precisei me situar sobre questões financeiras e quais obras e projetos estavam em andamento. Durante o primeiro mês, recebi muitos cidadãos no gabinete e também tive um contato mais direto com a comunidade. Conforme fomos entendendo a situação do município, passamos a definir prioridades, resolvendo conflitos e elaborando estratégias em prol do município. Mesmo sendo jovem e inexperiente em alguns aspectos, nunca deixei de tentar solucionar qualquer demanda. A palavra final era minha, mas eu sempre trouxe todos os atores envolvidos para chegar numa decisão da forma mais assertiva possível.

 

Para você, qual foi o maior problema de Mafra nos últimos anos?

Mafra enfrentou por anos uma grande instabilidade política. Hoje, essa instabilidade já foi superada, mas isso gerou muito desgaste para a cidade, afastando investimentos, fragilizando empreendedores e desmotivando a população. No geral, Mafra é uma cidade muito forte e potente, de um povo trabalhador, e que é abençoada por Deus em muitos aspectos, na cultura, na questão demográfica, na localização, nos recursos naturais, na fauna e na flora. Mafra tem tudo para crescer e é uma das cidades de maior referência do Planalto Norte. Uma das principais provas do crescimento de Mafra é a nossa universidade. Com o curso de Medicina, muita gente de fora veio morar aqui. Tudo isso acaba sendo uma mola propulsora para que o município se desenvolva.

 

Você como morador de Itaiópolis, surge alguma vontade política na cidade?

Não pretendo disputar cargo político, nem em Itaiópolis, nem em Mafra. Itaiópolis é uma cidade muito bacana, que tem origens muito próximas de Mafra, que foi colonizada por imigrantes e tem crescido bastante. Quando eu estava na prefeitura, sempre tentei romper com este bairrismo tolo, de que Mafra tem que crescer em detrimento das demais cidades. Eu penso que o que acontece de bom em Mafra, acaba repercutindo em Itaiópolis e nos demais municípios da região. O crescimento homogêneo de todas as cidades é benéfico para o Planalto Norte todo. De qualquer forma, eu não pretendo voltar para a política. O meu momento já passou e eu espero que pessoas novas passem a ocupar este espaço de debate.

 

Seu nome repercutiu recentemente após você ter sido condenado em segunda instância pelo Judiciário. Como você avalia isso?

Naquela época, com o intuito de me prejudicar, tive conhecimento de várias pessoas que recebiam salário pra ficar me vigiando e achar algum podre meu. Qualquer questão que surgia era motivo de denúncia na Câmara ou no Ministério Público. E nestes anos que estou fora, nunca me omiti de nada. Sempre que fui requerido a prestar informação, eu prestei. E em todos os processos, até então, foram arquivados. Neste processo, inclusive, fui absolvido em primeira instância. Houve recurso no Tribunal de Justiça e lá a decisão foi revertida, resultando na condenação. Eu recebi a notícia com tranquilidade, mesmo ainda não tendo sido notificado formalmente. Assim que receber a notificação, eu poderei apresentar minha defesa, pois respeito a decisão do Judiciário e do Ministério Público, mas logicamente, não concordo com a decisão. Não houve dolo de minha parte, nem prejuízo para o poder público. Infelizmente, todos os outros processos que fui absolvido não geraram uma linha de rodapé na imprensa, mas logicamente, a condenação gerou uma repercussão maior. Vou dar prosseguimento no recurso que se faz necessário e respeitar, acima de tudo, as instituições. Eu sempre fui um estadista, um republicano, e para que isso funcione, o primeiro passo é respeitar as instituições.

 

A entrevista também está disponível no Instagram e Facebook.