De volta ao Pará, caminhoneiro relata sofrimento vivido pela família no tratamento da covid-19

“Não imaginava na minha vida ver tantas pessoas próximas morrendo”, diz Nelson.

O Pará é um dos quatro estados brasileiros que mais vem sofrendo com novos casos de covid-19. O estado já apresentava estatísticas alarmantes no início de junho, quando o caminhoneiro rionegrense Nelson da Silva veio com a esposa e dois filhos da cidade paraense de Paragominas para Rio Negro, como habitualmente faz a cada semestre. O que ele não imaginava, no entanto, é que já estava doente quando saiu de casa em direção ao sul do país.

 

Nelson, que teve seu nome trocado nesta reportagem, conta que mora no Pará há 16 anos e traz a família para visitar os familiares de sua terra natal pelo menos duas vezes ao ano. Ele trabalha como caminhoneiro e transporta de norte a sul do país itens como alimentos, insumos agrícolas e matérias primas para a indústria de transformação. Dias antes de perceber que estava doente, ele havia sido contratado para realização de um frete para a cidade catarinense de Araquari e planejava passar alguns dias com a família junto dos seus pais, em Rio Negro. 

 

“Não faço ideia onde adquiri a doença. Eu não tive contato nem com dinheiro, nem com outras pessoas, recebo os honorários sempre com depósito em conta e evito ao máximo ter contato com objetos em locais públicos”, relata. Ele diz que percebeu que poderia estar com covid-19 no primeiro dia de viagem. “No primeiro dia me senti muito mal. Comprei remédios para gripe, fiz xaropes bem fortes e não melhorei. Quando parei para abastecer, em conversa com o atendente, me dei conta que poderia ser um caso de coronavírus e já estávamos na estrada”, explica.

 

Com medo e longe de casa

Em entrevista ao Riomafra Mix, Nelson compartilhou a angústia de viajar com a família doente:

 

“Os primeiros sintomas que senti foram cansaço, dor de cabeça e febre oscilante. Os remédios faziam efeito por pouco tempo. Quando caiu minha ficha de que era um caso grave, eu sabia que eu teria que fazer um tratamento. Tive receio de chegar num hospital em outra cidade e minha família ficar sem ter para onde ir, como ir e o que fazer se também estivessem doentes; era tudo muito confuso. Tive medo de buscar tratamento na estrada. Por estar junto com a família, como ficariam? Passou mil e uma coisas na minha cabeça. Foi então que arrisquei, joguei minha saúde nas mãos de Deus e resolvi enfrentar a doença e a estrada. Permaneci apenas com a família no caminhão e continuei com destino a Rio Negro, que é minha terra natal. Eu sabia que na cidade em que nasci eu seria bem tratado e minha família teria o atendimento adequado. Sei que corri risco por não antecipar meu tratamento, mas priorizei chegar aqui para que eles fossem salvos, garantindo a eles o melhor tratamento”.

 

Ao chegar a Rio Negro, ele, a esposa e os filhos de 2 e 8 anos testaram positivo para Covid-19.  Nelson teve os sintomas mais graves e afirma que manter o repouso absoluto fez toda a diferença no seu tratamento. “Eu tive todos os sintomas da pessoa que está no fim da vida e em vários momentos pensei que ia morrer. Mas fizemos todo o tratamento conforme recomendado pela saúde e graças a Deus ficamos todos bem”, conta.

 

Em isolamento total, Nelson e a esposa permaneceram sozinhos na casa que pertence à família, enquanto seus pais ficaram em uma chácara no interior do município. Segundo ele, a ajuda de amigos e parentes foi fundamental para a quarentena. “Muitas pessoas ofereceram ajuda, perguntaram se precisávamos de alguma coisa, deixavam as compras no portão”, recorda.

 

“Não acreditava na covid-19”

Já de volta aos trabalhos e à cidade de Paragominas, Nelson continua mantendo os cuidados contra a transmissão do novo coronavírus. Ele vê com grande preocupação a transmissão da doença que, segundo ele, já vitimou diversos amigos e conhecidos. “Eu não imaginava na minha vida ver tantas pessoas próximas morrendo, sendo enterradas como se estivessem em latas de sardinha, como se não fossem nada”, lamenta.

 

Outra preocupação que faz parte de sua rotina de trabalho diz respeito a toda categoria profissional. Para ele, o caminhoneiro precisa ter grande coragem para continuar trabalhando neste momento, pois além da exposição sofrida, a qualidade de vida de outras pessoas depende da continuidade dos transportes em todo o país. 

 

Nelson também lembra das críticas sofridas quando sua doença foi divulgada nas redes sociais: “Na verdade, todas as pessoas estão com medo. Muitos me criticaram, me chamaram de irresponsável. Mas ninguém sabe o que acontece com a gente nessa hora, só Deus sabe o que passei, eu jamais iria querer que qualquer pessoa querida sofresse com isso. O que posso dizer é que não desejo uma doença dessas para ninguém”, analisa.

 

Exemplo de superação da doença, Nelson também confessa que antes de ficar doente não acreditava no coronavírus. “Eu achava que era só uma briga política algo que servia para colocar o povo em pânico, por causa dessa situação confusa que vemos pelo país”, argumenta. Agora, ciente da gravidade da situação, ele reforça: “Isso não é brincadeira! Já tive doenças graves e, nada se compara”. 

 

O caminhoneiro acredita que ele e sua família foram curados graças à intervenção divina e à competência dos profissionais da saúde do município, mas destaca que manter as medidas de isolamento social serão decisivas para que o número de casos positivos não cresça e menos pessoas percam a vida para a doença. “Todo mundo precisa se conscientizar o máximo, essa doença mata mesmo, cuide de si e do próximo. Quantas pessoas precisam morrer para que entendamos que a situação é grave?”, finaliza.